quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

FELIZ COCA COLA!

As mensagens sobre a efemeridade da vida, perdão ao próximo e o recomeço inovador entopem as caixas de entrada dos celulares e emails; o otimismo exagerado inunda o mundo cibernético e o Orkut assemelhasse a reuniões de alcoólicos anônimos com todos os conselhos de como a vida pode mudar; as doações começam para acabar com a culpa de inércia social e as pessoas terminam com a sensação de que os 365 dias valeram a pena porque, em um deles, finalmente, os brinquedos empoeirados desocuparam a estante; os perus vão ao forno porque os fiéis deixaram de comer carne na páscoa pela mesma pessoa que hoje louvam o nascimento: então é natal!

Os rios de hipocrisia que inundam o mundo no mês de dezembro são apenas um eufemismo usado para disfarçar a força do sistema econômico nas vidas humanas. Se todos os repetitivos dizeres natalinos fossem, de fato, levados a sério, os shoppings não abririam 24 horas nas vésperas do Natal. Como o homem se habituou a se enganar com seus disfarces, enquanto alguém escreve um lindo e decorado cartão de natal, na verdade se guia pelos preceitos do mercado e da televisão. As crianças aprendem a amar o natal com a sessão infinita dos filminhos sobre Jesus e as lavagens cerebrais na escola para não ficar feio adorar o papai Noel apenas por ele trazer seus presentinhos. O natal existe para salvar o mundo de uma crise econômica e o décimo terceiro chega para lotar os shoppings e avermelhar as contas bancárias. O dever de celebrar o nascimento de cristo passa como um axioma e as principais personagens das vidas humanas ficam sem homenagens (apenas com muito dinheiro), no caso do Brasil: em vez do menininho Jesus no presépio deveria existir uma coca cola e as preces deveriam ser dirigidas a Roberto Marinho, verdadeiro Deus da bíblia brasileira, a Globo.

No dia 24 de dezembro todos sentirão calor, mas enfeitarão sua árvore de natal com floquinhos de neve, estarão cansados por terem passado as noites em claro embrulhando presentes e todos os derivados da palavra comprar serão seus melhores amigos. O suor excessivo endurecerá o humor de inúmeros supostos velhinhos com barbas postiças que por algum motivo torto estarão usando botas de inverno, calças compridas, mangas longas e gorros em pleno verão brasileiro. Todos se abraçarão, presentes serão mandados em vez de pedidos de desculpas ou declarações de amor, muitos reclamarão por meio de textos de ódio à data natalina, mas todos acordarão na manhã do nascimento de cristo com um sentimento único, uma paz interior, uma felicidade inigualável, um sorriso escondido, os olhos brilhantes que vêm da certeza de que hoje, finalmente, ganharão um presente de natal!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Legalizar ou não o progresso?

O Brasil segue uma tradição em que se espera analisar as conseqüências das medidas tomadas por outros países para então adotá-las. Poder-se-ia, pois, estudar a fio quando os Estados Unidos conseguiram, ao menos nessa questão, usar sua racionalidade em prol dos direitos humanos. Na década de 90, a potência estadunidense temia a intensa criminalidade anormal e inédita até então, os estudiosos mostravam-se desesperados e preconizavam o terror para os 5 anos seguintes. Para a surpresa geral, aconteceu o oposto: Queda de mais de 50% dos índices de violência meia década depois. As explicações foram várias: leis de controle de armas, estratégias políticas, maior policiamento. No entanto, o economista Steven D. Levitt,em seu livro freakonomics, descredibiliza todas as tentativas vãs de explicar o fenômeno,e responsabiliza o fato a Norma Mccorvery. Em 1973, ela lutou e foi vitoriosa na luta pela legalização do aborto. Ou seja, 20 anos depois dos anos 70, milhares de crianças indesejadas, que teriam vidas mais propensas ao crime, simplesmente não nasceram.

Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil são 1,4 milhões de abortos clandestinos por ano; 250 mil mulheres são internadas no SUS por complicações ao abortarem; e 13 a 15% das mortes maternas são conseqüências delas; no Nordeste são 85.019 casos anuais de curetagens pós-aborto. Desconsiderar esses números é ignorar um pedido tão humano da população. Não há como supor a inexistência dessa problemática cheia de riscos. A penalização como delito da realização do aborto só põe em riscos maiores mulheres pobres e negras que não têm condições de fazê-lo em clínicas particulares mais seguras.

Legalizar o aborto não é considerar determinada parcela da população simplesmente inconveniente ao país, mas dar direito a outra parcela da sociedade, as mães vítimas do descaso governamental, o direito de não piorar, ainda mais, a condição de suas vidas. Uma educação eficiente seria a solução paras os problemas brasileiros. Medidas imediatistas como Bolsa Família e Bola Escola oferecem a melhoria agora, mas e quanto ao longo prazo? O desinteresse dos presidentes com a gestão de seus futuros suplentes prende o Brasil em um eterno ciclo conjuntural. A estrutura carente de mudanças permanece abandonada. Encarar a legalização do aborto como uma possível solução para a criminalidade exacerbada do país oferece uma esperança que vai de encontro a um governo reacionário. O Brasil mostra-se despreparado para mudanças fortes tal como é habituado a conviver com paliativos. Tratando-se do caso brasileiro, do hábito surgiu a tradição.