quinta-feira, 30 de abril de 2009

Você é o que você escuta

A meu ver, instrumentos tocam, mas, ontem, os vi dançarem.

Fazia tempo que todos os pêlos do meu corpo não se arrepiavam com tanta emoção quando vi as Crianças do Coque tocarem My Way de Frank Sinatra, no CINE PE. Nessas horas, me sinto tão boba: palavras não têm tanto poder quanto imagino ao ler um texto que aprecio. Mas a melodia sim, parece traduzir todas as intenções não verbalizadas, as crianças de ontem cantaram suas histórias, suas forças de vontade, suas alegrias e todos os seus talentos em uma música, sem dizer nenhuma palavra. E me parece que todo mundo entendeu o recado ao parar atento ao palco lançando olhares de orgulho e ao aplaudi-las de pé com tanta aprovação. Eu tinha ido pelo cinema, mas valeu mais por esse momento.

Músicas têm poderes desumanos. No filme Ensaio para a cegueira, em minha opinião, houve duas cenas que conseguiram repassar melhor que o livro a emoção da narrativa. Uma delas, bem simples, de alguns segundos, mas para mim, alguns dos segundos mais lindos que já vi no cinema: Todos os recém e primeiros cegos que ainda não se conheciam sentam no chão do ambiente estranho, enclausurados do mundo real, sem idéias do que está por vir, mas presos aos piores temores de suas vidas. Então, o velho de óculos escuros revela um rádiozinho modesto e põe uma música. Nessa hora, todos os estranhos, inconscientemente, são levados pela harmonia da transmissão meia-boca, sem se darem conta, deixam suas cabeças encostarem-se aos ombros alheios, seus pés seguem um ritmo em sintonia, os olhares se acalmam e os semblantes recebem, pela primeira vez, um toque relaxado. Talvez um dos únicos momentos de plena serenidade do filme, já em meio à tragédia, mas mesmo assim, segundos de paz. Que paz! Que poder tem uma melodia sobre os ouvidos humanos! Só a música, porque discurso de apaziguamento nenhum teria esse feitio, foi capaz de oferecer tranquilidade. Agora me ponho a pensar o quanto a vida das pessoas seriam diferentes se elas mudassem suas trilhas sonoras! Acredite na influencia do que você escuta. Pelo menos para mim, tenho os cd’s certos para me animarem e os certos para me fazerem chorar, e volta e meia eles me guiam à alguém que não deveria, ao baixo-astral quando me pegam de surpresa, às súbitas alegrias sem origem definida e, mais importante, às minhas melhores motivações.

Agora decido que todas as palavras ditas e guardadas na minha vida se vão, fico com o som das minhas trilhas sonoras.

Músicas têm cheiros. Palavras seriam, então, para os que não conseguem se expressar pelo olhar, pelo gesto, pela melodia? Seria, para mim, apesar de amá-las, tão mais fácil não ter que usá-las, se todas as minhas intenções fossem delas, independentes. O mundo inteiro não estaria mais em paz, se em vez de discussões intermináveis, uma música resolvesse o problema? Ao ouvir o cd de Zeca Baleiro posso sentir o aroma do meu uniforme escolar Apoio e dos bolos da minha casa devorados nas tardes em amigas, assim como legião urbana me traz certo perfume masculino à tona, Bob Dylan transpira os cigarros fumados no quarto do meu irmão mais velho, Pink Floyd o do meio, inalo minha mãe ao ouvir Chico Buarque e meu pai quando escuto “Essa rua”. Músicas existem para aguçar os sentidos e são os eternos fiéis diários e álbuns de fotos de nossas vidas.