terça-feira, 20 de abril de 2010

Querida Rita

- Brí, escreve sobre isso.

Era 08 de maio de 2009, quando seus olhos verdes de jardim me impuseram esse desafio. Desde então, certa fobia às páginas em branco me foi criada.

Um dia, uma linda Ester me contou o que algum escritor falou sobre o baú de lembranças que levamos com a gente. Essa caixa mágica guarda as pequininíssimas coisas da vida: frases, olhares, momentos, conversas, sentimentos que outrora ousamos ter. Afinal, nós, meros mortais, nunca seremos capazes de lembrar tudo que nos ocorreu. É preciso um dispositivo poderoso que armazene, ao menos, certas horas essenciais na nossa trajetória.

É muito bizarro quando certo momento lá trás lhe foi incrivelmente importante e a pessoa que lhe acompanhou nem lembra. Isso vive acontecendo. Quando me contam dias engraçados sob uma narração empolgada, eu me esforço para reviver, e nada vem à mente. Ou, por exemplo, quando lembrei a uma amiga algo que foi de extrema importância na minha sanidade mental: bem novinha, eu contei à Júlia de uma voz que eu escutava, ou achava escutar, todos os dias antes de dormir e morria de medo. Ela então, disse-me que, com ela, ocorria o mesmo ritual. Senti-me incrivelmente confortada e todo dia de noite imaginava minha amiga sentindo o mesmo pavor e tudo melhorava. Alguns 10 anos depois lembro Júlia desse protocolo muito normal que supostamente nos acontecia. Ela franziu a testa, sorriu e negou passar pelo tal ritual, nem mesmo lembrava ter me confortado daquela maneira. Uma década depois me sinto, então, uma criança incrivelmente anormal e, pela primeira vez, penso “que diabos era isso que me acontecia?”. A reflexão veio tarde em questão de tempo de vida, mas na hora certa para eu não surtar. Para Júlia foi uma mentirinha saudável de criança, sem muitos afins. Para mim, algo cultivado bem no fundo, um bem imensurável. Minha companheira fazia jus ao seu posto.

A coisa fantástica é que, às vezes, essas caixas se encontram. É uma delícia quando criamos ciência que o baú de memórias de outra pessoa guarda um momento que foi igualmente especial. E foi isso que aconteceu no dia cujo deu início a esse texto. Aniversário de Carlinha, roda de amigos, violão, dança, gargalhadas e uma intensa cantoria. Se havia males para espantar, o fizemos com o auxílio de um escudo contra energias negativas que pairava sobre nós. Essas sandices abstratas que nos substanciam. Como disse Manuel De Barros “as coisas que não existem são as mais bonitas”. Tão lindas que extasiam o coração e dá uma vontade de recitar amor aos presentes que nos enche de alegria, mas, claro, as declarações se limitam a um olhar discreto e despercebido ou um pensamento cheio de vida, mas que se julga sozinho. Foi então que nesse momento de pieguisse particular, Ritinha me olhou e postou o desafio de escrever sobre aquele momento. Julguei minutos antes que, ocupados em se divertir, ninguém ali pararia para pensar o quanto bonito é esse negócio de amizade e de horas que, de tão simples, nós fazem tão bem. Mas eis que estava errada... Esses pensamentos podem sofrer de solidão nas cabeças alheias, mas existem na mesma proporção de horas felizes.

Desde então, me certifiquei da minha incapacidade em escrever sobre certas coisas genuínas, boas e tão importantes. As páginas em branco destinadas a esse desafio ficam sempre da mesma cor ou rabiscadas de tentativas inúteis comparadas à grandeza da intenção. Esse ofício de traduzir as sensações gostosas e tão especiais da vida deixo para os olhares discretos e os sorrisos amorosos. Aqueles que Ritinha me abriu a mente para não deixá-los despercebidos ao meu lado nas boas rodas de conversas em uma noite de amigos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Que saudade do domingo

Entre o corre-corre das pernas grandes, no meio da praça de alimentação, dá-se início ao show: uma criança faz do chão sujo seu parque de diversões, das luzes incandescentes, os holofotes, e todas as pessoas ao seu redor, o público. Nos adultos surgem, discretamente, sorrisos carinhosos. Percebi o que me atrai tanto numa criança: sua virgindade no quesito realidade. O olhar fantasioso delas brota, em mim, um enorme desejo de voltar no tempo.

A responsabilidade e a falta de tempo acabam com pessoas. Quando eu era pequena, o único encargo que tinha era almoçar com meus pais na mesa da cozinha. Tomada pelo desejo rebelde infantil, sempre tentava me livrar desse ofício. Porém, nunca me era concedida a regalia de fazer refeições ao mesmo tempo em que via TV na sala. Nos dias em que, por ventura, não acontecia o tal almoço familiar, enchia o prato e me deliciava por horas diante de algum programa divertido. Todo mundo reclamava que eu comia muito devagar, mas, para mim, era um exercício de liberdade.

Agora, meus almoços devem durar exatos 15 minutos, isto é, quando acontecem. E não existe mais a possibilidade de driblar as responsabilidades. Mas sempre faço questão de sentar-me, ligar a televisão e, nem que dê tempo apenas para os comerciais, desfrutar de meus míseros momentinhos de liberdade. Nos dias de alegria, quando, por acaso, surge tempo, demoro uma hora nesse ofício e puxo para os programas sem conteúdo que dão sopa essa hora da tarde... Ai como me cheira a infância.

Antes, o domingo era uma delícia: dia de ir à banca comprar “turma da Mônica”, sair com a família, assistir filmes todos juntos, sushi com namorado, de aprender a cozinhar, de café e cinema com as amigas. Eu amava o domingo. Agora, esse dia tão bom, virou o tempo que de fazer tudo que não deu durante os dias úteis, e todas as coisas gostosas de viver no tempo livre tem um pensamento como pior inimigo: “tenho tanta coisa pra fazer depois disso.” A responsabilidade deixa as pessoas mais chatas, isso eu já tinha idéia, mas tirarem meu domingo... Foi crueldade.

“Mãe, olha a bolsa do Ben 10 dele!” Sentada na sala de embarque, observo uma cena grandiosa ganhar palco: três crianças se conhecem, falam de seus amigos da escola e ficam íntimos dos brinquedos que a bolsa de um deles abrigava. Nem percebiam que, ao seu redor, uma platéia deliciada sorria quieta e nostalgicamente. Eu tentava lembrar a última vez que almoçara em casa.