sábado, 1 de maio de 2010

Curto- circuito

Sexta feira. Uma enorme enxaqueca me faz companhia. Cansa. O mundo, às vezes, cansa. Mergulhei os ouvidos na água, hoje, para não escutar o barulho da rua. Que sensação gostosa essa desse mundo mudo e submerso. Tomei cuidado para não afundar nos meus devaneios internos e voltei à realidade seca.

Acontece que perdi meu celular um dia desses. Aí começa assim, a moça da Claro oferece um aparelho gratuito para eu me sentir privilegiada. Mais uma estratégia das operadoras telefônicas para nos ludibriar.

- Não tem sem ser Itouch? Esse negócio de dedo na tela é muito complicado.

Só Touch pra lá, Touch pra cá… Precisei aderir a essa tal modernidade. Por fim, a moçinha ratificou que as ligações seriam bloqueadas assim que o limite fosse excedido. Discando à vontade, confiando no bom negócio. Porém, parece que não li o contrato direito e esse tal serviço só é feito a partir do terceiro mês. Resultado: pagarei o quádruplo do que costumo. Xingo a Claro, os eletrônicos e toda a modernidade. Meu pai entra com sua frase costumeira: São apenas máquinas, a culpa é sempre de quem as opera.

No carro, tento ativar o Bluetooth e quase bato. Mais uma tentativa vã de deduzir o que não vem no manual. Da janela, sob o sol quente, lá está o homem que não me sai da cabeça. As costas negras e suadas, num esforço quase sobre-humano de fazer andar sua cadeira de rodas para chegar ao outro lado da rua. O carro do lado buzina. O vidro fumê não me deixa identificar a pessoa cujo tempo é precioso demais para não esperar um minuto pelos braços fortes e ágeis que carregavam, além de membros estáticos, um mundo intolerante.

Lá se foram, o homem em sua corda bamba para enfrentar mais uma árdua travessia e o carro escuro azedo com sua tecnologia de ponta. Meu pai tem razão, a culpa é nossa, dos operadores. Desisto do Bluetooth e sigo com raiva, muita raiva de um mundo que poderia facilitar a vida do cadeirante pobre com bizarrices tecnológicas. Mas prefere criar buzinas e Itouchs para formar consumidores que se deixam enganar e transformar almas em máquinas modernas e amargas.