A morte cala. Cala enquanto deveria liberar as palavras prisioneiras das lembranças.
Cala porque desassossega sensações que se julgavam enterradas. E se eu não fosse desse ofício apaixonada, afundava o esforço de ater-me aos meus maiores novelos, emaranhada. A morte tornou o prazer em sacrilégio. Achou levar com alvedrio à cova abençoada, o amor de tanta gente preso às vidas sufocadas. Esse corpo que ainda vive viu morrer de si uma parte tão amada.
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Agora tudo é mortal. Antes, havia a dúvida nas entrelinhas. O mundo me parece, enfim, tão instável, e eu tão impotente. A morte tirou de mim a minha crença infantil num final feliz. E o pior de tudo, arrancou brutalmente do meu corpo, a força inigualável das palavras. Quanta coisa a gente quer fazer e não faz, quanta coisa quer ser dita e não é. Pra depois vir a morte e jogar em planos sujos, a nossa incapacidade de viver.
Logo ele, tão forte. Já dizia seu codinome Imperador, deixou a certeza que foi muito antes de fazer todo o bem que arquitetava. Lá estava ele, distante, reinando um trono tão seu e tão imortal.
As palavras, outrora tão vivamente livres, agora tão arduamente decifradas. Agora não tem mais Tio Benito a tecer comentários sobres meus textos, a incentivar a minha vontade de viver das palavras, e a encher meu coração ao se dizer orgulhoso da sobrinha que era sangue vivo do seu sangue. Foi sem saber, que alguém bem longe, falava fascinada do seu modo de viver e esperava ansiosamente por suas repentinas aparições na minha vida. Foi sem saber que há muito planejava com cautela escrever o tamanho da admiração e do desejo de ser um pouco do que ele é, mas sempre deixava pra depois.
Agora eu entendo o som aflito das palavras que estão condenadas ao anonimato. Como não há pior tristeza, à morte resta algum sentido. Que o prenúncio da Inesperada, plante em nós uma vontade louca de viver e sair gaguejando dizeres doidos para ganhar corpo. Que a morte sirva para dar luz ao grito forte da aparente escuridão do coração de toda gente. Que as almas ingênuas prevejam a dor da solidão e não se condenem a chorar o amargo do não dito.
E esse texto, por mais que ajude a tirar o peso que ando carregando, de tão fraco, tornou-se pálido.