quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Luzes de consciência

Quando as luzes da consciência disfarçadas de raios solares acharam a fresta esquecida pela cortina, aquelas rugas matinais apareceram e os olhos se abriram. Como a ebriedade combina com a manhã! Há algo de misterioso na relatividade: não é o ambiente, as pessoas, o estado de espírito. Tudo depende da hora do dia. De noite não existe ressaca, a dor de cabeça é da vida e matinal. O cérebro de certo inchava e voltava ao normal na colaboração de uma conspiração social que a fazia não querer sair da cama, mas era preciso porque a luz começava a incomodar não apenas o seu bom-senso, mas também o calor que bate às 6 horas de um céu ensolarado. Levantou e se deparou com a única pessoa que não gostaria de ver.

- O que está fazendo aqui?

Não tinha respostas. Estava sempre rodeada de pessoas menos desagradáveis, e logo naquele dia se encontrava só e olhando para a única das quais não se sentia a vontade. Aqueles silêncios constrangedores e sinais de incomodo sempre apareciam quando elas se deparavam sem um terceiro para quebrar o clima ruim.

- Quantas vezes precisarei dizer o quanto lhe odeio?

Não se orgulhava da noite passada, das anteriores, e de uma vida toda. No entanto, quando chegava a noite, ao lado de outrem, estava bem. O seu problema era quando a inconveniente visita lhe aparecia de manhã. Engraçado que quando chega essa hora do dia, o mundo parece mais brando, porém as pessoas de ontem, em seus íntimos, continuam cruas e cruéis tal como a noite. Não se enganava pela leveza solar, julgava aquela a quem olhava como se soassem as 24 badaladas no relógio da sala.

- Por favor, desapareça!

Costumava fingir que ela própria não era ela, escolhia alguém a quem admirava e fingia ter a vida dessas para se confortar. Vivia de sonhos e imaginação para esquecer a injuria da mistura de vergonha e decepção que tinha consigo. Há muito deixara de ter pena de si mesma, passou a ter ódio. A raiva de não ser bem sucedida na vida, em todos os extremos. Era uma espécie de conforto não ser ela, mesmo que por poucos minutos, em seu mundo fantástico que tinha as beiras da cabeça, tinha dignidade e bem estar.

- Por favor, me deixe!

Perdera os vestígios de auto-estima nas humilhações que havia sofrido na adolescência. Hoje para os olhares desatentos do mundo passava indiferente, mas por dentro ainda era aquela frágil menina com o coração inundado de lagrimas. Julgavam-na fria e forte. Mas era a sutileza quebrada pelos ventos fortes da vida e a fraqueza erguida pelas mãos vis que lhe estenderam apenas pedras quando precisava de suporte. Toda noite encontrava consolo nas garrafas de vinho baratas e colecionava desgraças.

- Será que algum dia acordarei sem querer te matar?

Toda manhã era um processo doloroso o encontro com o espelho.

4 comentários:

bolalá disse...

Conseguiu me enganar direitinho! Não pensei em nenhum momento que a outra era ela mesma até o final.

Bom tê-la de volta.

bolalá disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bolalá disse...

E devo acrescenta que me identifiquei muito com a personagem (exceto no acordar às 6 da manhã :) ). Me identifiquei com a melancolia para consigo mesma, com o desgosto ao se ver no espelho e com escapismos dessa melancolia de si mesma.

Torço para que a personagem nada tenha a ver com você.

Beijo.

bolalá disse...

Te sugiro um tema para o próximo post: o verão. Gostaria de vê-lo através do seu olhar.

De repente eu escrevo até um post com o mesmo tema, mas não tenho tanto a dizer quanto você sobre a estação.