terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Classe dos Ais.

Ai por tudo. Pelo dever, pelo direito, pelo homem, pela menina, pelo elevador, por mero costume. Além de média, nossa classe é dos Ais. Faça um exercício e você nunca vai ser o mesmo: Conte amanhã todos os Ais do dia, à noite procure um tylenol ou heike. Foi o que aconteceu comigo sexta feira passada.

O Ai está em toda a parte, toda conversa. Quanto mais se tem nessa vida, mais se reclama. Dou luz a minha rotina, saio por aí e ele está sempre me perseguindo. Implícito ou à mostra em sua frase padrão: O Ai que saco. No dia em questão, atentei para sua presença inflamada logo de manhã no salão de beleza: foco central de pessoas que, se estão lá às 11horas da matina, é porque não tem muita coisa estressante pra fazer, né? Talvez não, mas poupem-me dos Ais, faz favor. Poderia enumerar 1000 com mais graves ais. Depois de perceber que os Ais estavam com a gota, continuo a jornada, pensando nisso. Tinha sempre alguém para reclamar: da cadeira, dos planos, do calor, da aula. Parecia feira: tem ai pra tudo e todos! Infundo-me em um mal-humor profundo, visto meu Ai: que saco, o povo só faz reclamar. Eis que surge, em sintonia no meu dia, a surpresa na segunda aula, a revanche da minha indignação: uma palestra dos integrantes da Fazenda da Esperança, um retiro no qual jovens de dependência química se isolam na intenção de se curar. Nada de Ais. Através de relatos emocionantes, falaram suas trágicas histórias, drogas, mortes, roubo, miséria, família desestruturada. Mas, cadê os ais? Um banho de água fria em todos os que se postavam sentados e admirados pela força e, inconscientemente, alegria com a qual se falava da vida ali na frente. Quanta diferença gritante. Eles tinham todos os motivos para passar o dia reclamando de uma tal energia divina que os deu aquela vida, mas havia uma inversão grotesca: são os de barriga cheia que mais encontram Ais. É um costume terrível do nosso mundo fechado.

Tem Ai que é necessário. Mas falo dos sem propósito, dos que somos fiéis seguidores por hábito, daqueles com cor ambiente, que se infiltram amenos no desenrolar da conversa. Se reclama da vida, de quem está perto e daquele que passa ali, com roupa e atitude suficiente para ser “incomodável”, até os seres distantes e desconhecidos merecem lotes de ais. Saio da palestra, volto à realidade, olhos inchados, peito amargo: a vida pode ser injusta, mas mais ainda aqueles que falam dela. Em meio aos Ais por conta do transito, da noite, dela, dele, do tempo, lembro do menino de 17 anos da palestra mais de tarde, não estudou, nem viveu muitos anos, mas sabe mais do mundo que qualquer um ao meu redor. O jeito é desviar, quebrar o efeito dominó,destruir nossa síndrome de Ais, não responder, sem absorver, quem sabe retribuir um “relaxa”. E assim, à todos os ais do nosso dia a dia, um “ai que bom.”

4 comentários:

Ellen Cocino disse...

"Quanta diferença gritante" - o gritante é constante nos seus textos, isso é uma marca muito sua. Suas palavras conseguem fazer quem lê sentir o momento. E além de sentir a palestra, eu pude viver ela e presenciar seus olhinhos 'inchados', fomos duas!
Tudo muito lindo e me envergonho dos meus 'ais'. Aliás, você me ensina sempre o quão a vida é linda só participando da minha,amiga. Obrigada pelas percepções e por ser isso.
Seus textos sempre impecáveis.

beijo

daniela melo disse...

Que com que compartilhasse isso que tavamos conversando outro dia!
um beijo meu amor, continue escrevendo!

Marianna disse...

O mais intrigante é que os Ais que deixamos de falar seriam capazes de fazer mais diferença que aqueles que pronunciamos.

Prova disso é o caos que vivemos hoje.

Triste. Hipócrita. Ridículo.

Bia, tu me fez parar pra pensar que realmente 'os Ais estão com a gota', mas que podemos deixar de ser eternos insatisfeitos para ser eternos gratos por tudo.

Adorei!
Saudade de tu!!

laís disse...

agora um 'Ai que massa' pela descoberta dos teus textos.