quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma jóia de terapeuta

São, agora, os dedos de amor que se movem. Por ela, a minha terapeuta. Ela tem fé convicta em Deus e reza por mim, relevando minhas convicções, todas as quintas-feiras sagradas na igreja; não passa um dia sem consultar os astros do signo para saber sua cor e planeta da vez; conhece a função de todos os nutrientes e alimentos pelas aulas semanais do globo repórter; faz juízo de valor de todos do elenco da novela das 8; tem um coração mole, um sorriso largo e nunca deixou alguém entrar na minha casa e sair sem notar sua simpatia, assim como não me deixa sair da cozinha sem estar afundada em uma paz interior.

- Você não é filha de Deus, Tânia - Digo, entrando no seu clima e me dando conta que, durante os 20 anos que nós convivemos, nunca conheci o seu mau humor.

- Ô nega, porque tu fala isso? Mau humor não faz ninguém feliz, nem eu nem quem ta perto de mim.

Todos os dias minha sessão terapêutica começa no café, e quando, por vezes, um mal-estar desses bem comuns aos meros mortais vem ao meu encontro, olho para ela e imagino a longa caminhada, o ônibus lotado e o etecetera que tem que enfrentar diariamente, mas só vejo a simpatia e uma tranqüilidade, eu diria, divina. Ouço suas notícias e visões de mundo, os poderes da laranja, do queijo, da banana e do inhame, os sonhos que a afrontaram na noite anterior, e, geralmente, nem consigo identificar as boas e ruins novidades, já que são todas cantadas num ritmo apaziguador. É como se criasse um escudo aos tempos ruins: uma alegria intocável. Uma tapa na cara na maioria por aí, que insiste em se considerar eterna vítima do mundo. Como me parecem tolos esses seres todas manhãs, quando peço emprestado o sorriso sincero de minha terapeuta e vou embora leve. Uma das melhores companhias e lições, eu diria, de todos os meus dias. Há 20 a mesma coisa e nem me dava conta, até descobrir que sou disso, dependente.

Tânia deus aos seus dois filhos melhor educação que a maioria dos que freqüentaram universidades, e nem faz idéia que o mundo provavelmente estaria a salvo se todos seguissem seus conselhos matinais. Falta de escolaridade e pobreza são os grandes agentes das mazelas da nossa sociedade, mas não justificam tudo. Pelo menos é o que mostra a mais eficiente professora que já tive. Como disse Saramago, dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. Valor intacto, que cresce com a gente e nos faz escolher os caminhos. E, provavelmente, depende menos das lições escolares, do grau de educação ou dos livros que lemos e mais das jóias raras que encontramos na nossa vida.

- Porque você é um anjo. Respondo, dando um beijo no seu braço enquanto descasca uma cebola e nem chora.

10 comentários:

Barto Bittencourt disse...

ela é realmente uma alegria em pessoa!

Anônimo disse...

Acho que a capacidade de acesso a essa "alegria intocável" é uma das mais preciosas conquistas humanas. Jóia inestimável.
Maravilhoso conviver com quem a possui. Maravilhoso ter olhos capazes de enxergá-la. :)
Muito bonito, o seu texto.

Ellen Cocino disse...

Te conheço há menos que sua jóia, passei com você menos tempo que muitas de suas amigas de longa caminhada. Mas, posso afirmar que tia Bel ensinou bem o que você é. Ao ler cada linha eu te vi nela, uma troca que eu não consigo destinguir onde termina Bel e começa Beatriz. Lindas. Alegria intocável que cresce em você e faz a gente (que pode desfrutar das duas) escolher caminhos certos. Suas palavras são de um valor incalculável e seu amor transborda. Você transborda de amor e ela por você,sei que essa é a coisa mais certa das coisas...

Parabéns amiga, ler suas linhas me causa paz interior. E sem cortar cebolas, a lágrima caí. Por que limitar seus sentimentos em parágrafos seria o maior dos maiores erros.

Te amo!

Unknown disse...

bibia, texto lindo! saudade de tu!

Unknown disse...

Realmente a gente tem andado em sintonia, viu? Eu passei esse final de semana conversando exatamente sobre isso com uma amiga minha. Sobre essa tendência das pessoas em jogar a culpa pra as mazelas do mundo e esquecer que elas, por si só, fazem parte desse mundo e o fazem nas pequenas - e simples - coisas do dia a dia. Pequenos gestos e menos conformação, muitas vezes, fazem toda a diferença.

Muito bom ler vc =)

Anônimo disse...

Lindo

Robson Tigre disse...

perdão pela intromissão, mas você já disse isso, dessa forma, pra ela?

Beatriz Barros Braga disse...

Certas coisas são fáceis de escrever... de escrever.

Frá disse...

xu..cadê você por aqui?sinto falta das tuas palavras!=*

IRENE SULTANUM NETA disse...

FUI EU Q DERRAMEI LAGRIMA! e hj eu entrei na tua cozinha, e digamos, passei por um momento parecido!!!